Exagero de Expressão

Quando contamos uma história, ela precisa ser interessante.

Óbvio, certo?!

Bom, nem sempre. Uma história ser interessante implica muitas coisas, hoje quero falar do artifício do pescador: o exagero! Afinal ele pescou um peixe deeeeste tamanho, a luta foi intensa, a vara quase quebrou e finalmente o peixe foi derrotado. Quando finalmente o peixe vira refeição, ele parece que encolheu desde o dia que foi pescado e está a metade do tamanho…

Ei, meu pai é pescador. Se não conhece nenhum, recomendo o filme “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas”. Não é exatamente sobre um pescador, mas você vai entender o que quero dizer  ;D

Tudo isso para falar que, ao escrever um mangá, contamos uma história graficamente. Para torná-la mais interessante, nós exageramos. Um dos aspectos a exagerar são as expressões faciais, meu assunto de hoje.

O exagero das expressões faciais torna mais fácil para o leitor entender o que se passa, pois nos quadrinhos não podemos colocar o tom da voz ou a sequência de movimentos daquela expressão. Um desenho é um momento congelado no tempo e em um único quadro é necessário resumir toda uma situação.

Não só isso, cada desenho precisa ser interessante e as expressões mais caricaturais surtem um ótimo efeito.

Quero demonstrar com um pequeno teste que fiz para o personagem Darumã:

daruma-expression-1

Desenhei essas expressões típicas, elas estão claras para expressar o que o personagem sente, portanto são ‘funcionais’. Na primeira ele está espantado: boca aberta, olho arregalado, sobrancelha alta. Na segunda ele mostra um sorriso malandro, de canto de boca; a diferença nas sobrancelhas dá a impressão de que está piscando, mesmo ele não tendo um olho. Na terceira, dormindo: olhos fechados, sobrancelhas relaxadas, bolha de baba saindo da boca (que é um exagero na maioria das pessoas).

Mas olha a diferença quando a gente exagera a expressão… O desenho fica mais interessante:

daruma-expr-aaah

Coloquei os dois perto para comparação. No segundo desenho em que ele está espantado, desenhei a boca muito maior do que a cabeça permitiria, empurrando os olhos e sobrancelhas ainda mais para cima. Embora pouco mudou, o resultado é um desenho mais expressivo, mais engraçado, mais interessante.

Agora a expressão dormindo:

daruma-expr-zzz

Desenhar o “biquinho” e aumentar o tamanho da bolha de baba são pequenas coisas que deixam o desenho mais engraçado. Os olhos não apenas parecem relaxados, mas passam a impressão de que ele sonha com algo bom.

Pouco esforço, mas uma grande diferença.

Um grande abraço!!!

Tipos de personagem

Mais um post baseado no livro Shoujo Manga Techniques – Writing Stories.
Para que uma estória aconteça, são necessários personagens e situações que permitam o desenvolvimento da estória. Segundo o Shoujo Manga Techniques, existem seis tipos de personagens:
a) O personagem principal
b) Rivais: personagens que vão contra o personagem principal
c) Amigos: personagens que ajudam o personagem principal
d) Namorado(a): pessoa que o principal gosta
e) Família: familiares do vivem com o personagem principal
d) Conselheiro: personagem que aconselha e/ou cuida do personagem principal

É importante que apenas personagem realmente significativos para a estória ganhem nomes e sejam evidenciados. Não coloque personagens que não são úteis para nada no seu mangá; ele precisa contribuir ou atrapalhar o desenvolvimento do personagem principal e enriquecer o enredo.

Na nossa curta estória sobre o Darumã, Mia é a personagem principal que gosta do Luca (ver post Ideia, tema, estória, episódio e Criando um personagem). Então temos já dois papéis preenchidos. O Darumã é de alguma forma um aliado da personagem principal que a ajudará a confessar para o Luca. Uhm… mas ela pode ter uma amiga da escola que serve como amiga e conselheira, que sugere que Mia compre o Darumã, verbalizando as coisas que o Darumã pensa mas não consegue falar para Mia.
Com isso a estória está assim: passeando com a amiga, Mia compra o Darumã e faz o pedido de ficar com o Luca; apesar de ela encontrar com ele pela escola, nada acontece; vai ter uma prova e todo mundo decide fazer um grupo de estudos na casa da Mia; os pais de Luca chegam tarde para buscá-lo, o Darumã cai no pé do Luca que conversa com Mia sobre o Darumã, ela confessa e ele também; final feliz.
Sobre a família, os pais de Mia trabalham até tarde e do Luca também, talvez por isso tenha surgido o interesse de um pelo outro, já que se conhecem pelas situações como ficar até mais tarde na escola, esperar os pais aparecem na reunião de pais e mestres, etc.

Falta algum tipo de rival… que tal ter uma menina que percebeu que a Mia gosta do Luca e o Luca da Mia, mas justamente se intromete sempre para que eles não descubram que o sentimento é mútuo? Possivelmente uma menina mimada que não gosta de perder e que considera Luca quase uma posse.

Não necessariamente precisamos ter todos esses elementos na estória, mas facilita a criação do enredo, já que torna mais complexa a situação do personagem principal e apresenta conflitos.

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Minha versão esse esquema para a criação de uma estória é: o personagem principal tem um objetivo, algo atrapalha o personagem principal a alcançar esse objetivo, elementos externos interferem ajudando o personagem principal a alcançar seu objetivo final. Esses três passos servem para qualquer estória.
De uma forma ainda mais resumida, uma estória é composta por: 1) personagem/contexto inicial, 2) conflito, 3) resolução do conflito.

Esse esquema para explicar uma estória e os elementos básicos de uma estória vem da minha experiência com técnicas de análise de discurso e de estórias para investigação da personalidade. Esses são os elementos essenciais para qualquer estória, longa ou curta. O clímax da estória é justamente o clímax do conflito. A resolução não necessariamente é um final feliz, mas apenas a resolução do conflito; mesmo que o personagem faça a escolha de se prejudicar, ele resolveu o dilema, ele fez uma escolha ou a escolha foi feita por ele.

Um ótimo fim-de-semana para vocês e até segunda!

A volta da “blue mage”

Há muitos anos atrás, no meu segundo ano de faculdade, acabaram-se as tintas da impressora de casa exceto pela tinta azul. Por mais de mês, tudo o que eu imprimia estava em azul: trabalhos, regras de jogos, manuais, fichas de personagem… tudo. Como eu jogava Magic The Gathering no grêmio, o evento resultou em um novo apelido para a minha pessoa: Blue Mage.

Lembrei disso porque, atualmente, todos meus desenhos começam em azul. O grafite azul é bastante utilizado por mangakas para esboçar a estrutura geral do desenho, como linhas de perspectiva, proporções anatômicas, esqueleto das figuras humanas. Isso porque o grafite azul não aparece quando o desenho é “scaneado”.
Além disso, se usar primeiro o azul e depois o grafite comum, perceberá que seu cérebro faz uma forte distinção daquilo que foi desenhado com cada uma das cores. O grafite acaba chamando mais a atenção.

Segue um exemplo recente, o rascunho do roteiro de um episódio da estória do Darumã, mencionado no post Ideia, tema, estória, episódio. Na primeira imagem Darumã vê que tem um companheiro e que a Mia está se preparando para viajar, na segunda página o segundo Darumã fala como foi comprado, terceira página mostra ela fazendo o pedido, quarta página mostra a passagem dos três dias, finalmente a conclusão da estória em que o segundo Darumã ganha o olho e faz inveja para o primeiro Darumã:

Fica a dica. Abraços!

Criando um personagem

Utilizei (de novo!) como referência o Shoujo Manga Techniques – Writing Stories.

Personagens “são pessoas ou coisas com personalidades ou aparência únicas. No mundo do Mangá, personagens chamam a atenção devido às suas particularidades.” (Shoujo Manga Techniques – Writing Stories)

É importante pensar qual é o perfil do seu personagem, o que faz dele único e como ele se comporta nas situações. Para que a estória seja mais interessante, recomenda-se que o personagem principal seja ativo, dinâmico, capaz de dar o passo da estória. A verdade é que todos os livros sobre mangá vão dar sugestões de como você pode criar seus personagens, cada um com dias diferentes e igualmente úteis. Outra verdade é que esse processo não termina, a cada trecho de estória que você cria, você acaba por pensar em uma característica nova para o personagem que você não tinha pensado antes.
A partir do que pensei para as minhas estórias, estabeleci quatro diretrizes básicas para a criação de personagens:

1) O personagem precisa ser capaz de passar o que quero com a minha estória. Desta forma, a personalidade do personagem é secundária ao tema da estória.
2) O personagem precisa ser único. Ao pensar em características para o personagem, penso nos meus conhecidos, em outros personagens de mangá, e “empresto” as características que me parecem pertinentes e interessantes aos personagens.
3) Os personagens precisam de um mínimo de consistência. Ou seja, depois que pensou em algumas características básicas para o personagem, mantenha-as no decorrer da estória, ou transforme-as apenas se a estória causar essa transformação de personalidade. Uma pessoa tímida é tímida sempre, quando ela não o for, é porque algo importante está acontecendo pra a personagem e as pessoas em volta vão estranhar esse comportamento.
4) As características de personagens de mangá precisam ser exageradas. Esse exagero facilita a leitura do mangá, porque o leitor consegue perceber mais facilmente essas características do personagem; o exagero facilita a criação de cenas cômicas; o exagero facilita para o autor a compreensão e distinção dos personagens.

Com essas quatro diretrizes, acho que você será capaz de criar qualquer personagem para qualquer estória de mangá.

Se você acha que são diretrizes muito vagas, então você pode começar com a velha “ficha de personagem” (também tirado do Shoujo Manga Techniques – Writing Stories):

Nome:
Idade:
Apelido:
Data de nascimento:
Signo do zodíaco:
Tipo sanguíneo (lembrando que os japoneses acham que o sangue interfere na personalidade; para os brasileiros, acho que o ideal seria utilizar o ascendente do signo):
Cidade em que nasceu:
Familiares:
Personalidade: a) principal, b) secundários
Faz bem:
Hobby:
Sonho:
Outras observações:

EXEMPLO: utilizando a estória do Darumã dos posts anteriores “Ideia, tema estória e episódio” e “Seis perguntas de ouro!”. Primeiro vamos descrever a menina:

Nome: Miara Kano
Idade: 13 anos
Apelido: Mia
Nascimento: 2 de maio
Signo: touro
Tipo Sanguíneo: 0+
Cidade em que nasceu: São Carlos
Familiares: Pais que moram na mesma casa, ambos trabalham.
Personalidade:
a) dependente e um pouco carente, gosta da companhia dos outros
b) dificuldade para falar sobre coisas importantes
Faz bem: reunir pessoas
Hobby: adora coisas que dão sorte, visita tempos e feirinhas de monte
Sonho: namorar com o Luca
Outras observações:

Agora o Darumã:

Nome: Darumã
Idade: recém comprado e com o primeiro olho
Apelido: Daru Daru
Nascimento: data de fabricação indefinida
Signo: indefinido
Tipo Sanguíneo: indefinido
Cidade em que nasceu: made in China
Familiares: outros Darumãs
Personalidade:
a) resmungão
b) bom coração
Faz bem: criticas
Hobby: reclamar
Sonho: ganhar seu segundo olho
Outras observações: não parece, mas ele se importa com a Mia e quer ajudar ela de alguma forma. Contudo, ele não tem poderes especiais para realizar desejos, então ele tenta fazer o que pode.

Finalmente o rapaz:

Nome: Lucas Kwai
Idade: 13 anos
Apelido: Luca
Nascimento: 27 julho
Signo: leão
Tipo Sanguíneo: 0+
Cidade em que nasceu: São Carlos
Familiares: irmão mais novo, mãe que trabalha e sempre chega atrasada para buscá-lo
Personalidade:
a) corajoso, espontâneo
b) um pouco tímido quando se trata de assuntos pessoais
Faz bem: esportes
Hobby: jogar taco com o pessoal da rua
Sonho: trabalhar como treinador
Outras observações: mesma escola que Mia

OBS: Queria fazer eles com a cabeça um pouco maior para que parecessem mais novos, mas ficaram cabeçudos demais  ><

As seis perguntas de ouro!

Este post é sobre as seis regras para se escrever uma estória, ainda do livro Shoujo Manga Techniques – Writing Stories.
Eles chamam de “5W1H rules”, eu chamarei de regra das 6 questões:

QUEM? quem são os personagens, especialmente a personagem principal?
QUANDO? em que momento do dia, época do ano ou era acontece a estória?
ONDE? dentro de um prédio, numa sala, a céu aberto? em casa, na escola, no metrô? em que país? no mundo real, fantasia, ficção científica?
O QUÊ? o que os personagens fazem na estória?
POR QUÊ? quais as motivações dos personagens?
COMO TERMINA? o que acontece como consequência das ações do personagem principal?

Agora vamos ao nosso exemplo do post anterior.

Q1: QUEM?
Os personagens são uma moça, um rapaz e um Darumã. São dois jovens da mesma escola, ela gosta dele e pede ao Darumã para ficar com ele. Os jovens são o de sempre, o Darumã é um resmungão.

Q2: QUANDO?
Época atual, os dois jovens encontram-se no ginasial, durante o dia, num grupo de estudos na casa dela.

Q3: ONDE?
A estória se passa na casa da menina (onde está o Darumã).

Q4: O QUÊ?
Ela quer se declarar para o menino, mas não consegue, por isso pede ao Darumã. O Darumã sabe que não tem superpoderes, mas tenta chamar a atenção do menino e começar uma conversa entre os dois.

Q5: POR QUÊ?
Ela gosta do menino, o menino gosta dela, o Darumã quer seu olho e começa a se importar com a menina.

Q6: COMO TERMINA?
O Darumã cai no menino, que por sua vez conversa com a menina sobre o Darumã, ela finalmente junta coragem e se declara, os dois jovens percebem que gostam um do outro. Darumã ganha seu segundo olho.

Então, pensando nessas seis perguntas, acabamos criando uma estória. Agora, precisamos organizar essas informações para fazer o enredo. Mas isso fica para um próximo post  ;D

Ideia, tema, estória e episódio

Há muito tempo eu queria fazer este post sobre roteiro!
A minha principal fonte de referência foi o livro Shoujo Manga Techniques – Writing Stories. Este post NÃO substitui a leitura do livro, então, se você se interessa em escrever um Shoujo Mangá, este livro é excelente.
Os exemplos são de uma estória de minha autoria.

Se você pensou em escrever um mangá, provavelmente é porque teve alguma ideia. A “ideia” é o início de todo o seu roteiro, é a motivação para você desenvolver toda a estória do seu mangá.
EXEMPLO: durante a aula de desenho, meu professor criticou minha ideia de escrever um manga longo e sugeriu que eu criasse uma estoria curta, de 4 páginas. Eu tinha então um foco: estória de 4 páginas. Veio então a ideia: o que pensaria um Daruman? Oras, é um boneco que dizer que dá sorte, mas é uma sacanagem que fazem ele ficar caolho para que ele realize o pedido da pessoa. Então essa será a ideia para nosso mini mangá de hoje!

A ideia dá também o tema do seu mangá. O “tema” é o que você quer da estória.
EXEMPLO: Que tal uma estória sobre a necessidade das pessoas se esforçarem para realizar seus sonhos, ao invés de fazerem pedidos?

A partir da ideia, pensaremos na estória do mangá. A “estória” é o que dará o conteúdo do mangá. A estória precisa ter um começo, meio e fim.
Vamos novamente ao nosso EXEMPLO:
– começo: uma menina o Darumã para ter um namorado;
– meio: Darumã não tem superpoderes e fica bravo por estar caolho;
– fim: final feliz – menina consegue um namorado com próprio esforço e devolve olho do Darumã.

Mas isso ainda não é o suficiente, uma estória geralmente tem muitas reviravoltas. Acontecem muitas coisas durante uma estória. Essas muitas coisas que acontecem são chamadas de “episódios”; possuem começo, meio e fim e contribuem para o desenrolar da estória.
EXEMPLO: Bom, como queremos uma estória curta para o Darumã, o episódio e a estória serão coincidentes. A estória do Darumã terá apenas um episódio. Maaaas, se quiséssemos estender a estória do Darumã, poderíamos fazer ela comprar um outro Darumã que fica amigo do primeiro. Ela pede para esse Darumã que o tempo fique bom na viagem que fará com os amigos e com o menino que gosta. Faz muito sol na viagem, então ela acredita que os Darumãs realmente realizam desejos. Ela coloca o olho no segundo Darumã e o segundo Darumã tira sarro do primeiro. Fim do episódio. Esse é um episódio curtinho que contribui para a estória principal, mostrando porque a menina confia nos poderes dos Darumãs; e tem começo, meio e fim nele mesmo (compra do segundo Darumã, pedido, realização do pedido, Darumã ganha olho).

Resumindo:

IDEIA: tenha muitas! É onde tudo começa. Anote o que vier à cabeça.
TEMA: é o que você quer do seu mangá e o que dará a direção para a sua estória.
ESTÓRIA: é todo o conteúdo do mangá, do início até o fim.
EPISÓDIO: é uma estoria curta; uma estória é composta de diversos episódios.